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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Iten - Home of Champions - week V (last week)

A última semana na Home of Champions começou com mais um treino pelas 8h (5h em Portugal), acompanhado do já conhecido nevoeiro cerrado. Fomos fazer uma das voltas habituais, começando por descer durante algum tempo e regressar sempre a subir. Os ritmos são lentos e as sensações não são as melhores - acho que o esforço que fazemos aqui, se fosse realizado a correr em Portugal, traduzia-se em grandes treinos. Foi dia de bi-diário, mas da parte da tarde uma corrida muito fácil, para recuperar dos treinos anteriores e com vista ao treino do dia seguinte - íamos correr, pela primeira vez, com os quenianos.
Na terça-feira lá fomos nós para o grande treino com os quenianos. Saímos do centro a correr para fazer o aquecimento e fomos direitos ao centro de Iten. Virámos à esquerda para ir ter ao local da "partida" e começamos a ver vários quenianos a correr. Íamos a descer e continuámos a ver muitos quenianos a correr pela estrada fora - aquilo parecia mais as caminhadas a Fátima, onde se vê constantemente pessoas na berma da estrada, mas aqui iam todos a correr! 
Lá chegámos ao local. Nunca vi tantos atletas juntos para treinar! Éramos, à vontade, mais de 100 atletas, entre homens e mulheres. Brancos éramos uns 5/6: eu, o Charlie e o Robbie, mais alguns turcos. Juntámo-nos todos no início de uma estrada de terra batida e um dos quenianos subiu a uma pedra que estava de lado, mandou o pessoal fazer pouco barulho e explicou o treino - era fartleck de 1 minuto em corrida rápida e outro minuto de corrida lenta! 
Partimos, começando com o minuto lento e depois todos a correr que nem uns desalmados - eu sprintava e, mal sabia quando é que acabava, passavam quenianos por mim a um ritmo louco, eu mal conseguia ver onde punha os pés e com a estrada irregular às vezes dava alguns maus jeitos ao pé (felizmente não torci ao ponto de me aleijar, mas tive bastante receio que pudesse acontecer). Acabado o minuto rápido, no descanso, os que estavam mais atrás continuavam a correr para se aproximarem dos da frente e eu, no meio deles, comecei a sentir-me apertado, no meio de 100 pessoas num espaço apertado de tal forma que os meus óculos de sol começaram a embaciar com tanto calor humano!? Nunca me tinha acontecido tal coisa. 
Ouviu-se o apito de um relógio e todos começaram a correr rápido novamente. Apanhámos pela frente uma enorme subida, mais uma vez a ser ultrapassado por todos os lados mas também ultrapassava alguns quenianos - não me ficava atrás! O pior é que o descanso era uma corrida normal, não dava sequer para recuperar em condições, mais o sobe e desce, estradas irregulares, é claro que "dei o estoiro" (deve ter sido tão grande que, se estivessem com atenção, tinham-no ouvido em Portugal, eheh). 
Fiz metade do treino e comecei a ser ultrapassado por mulheres. Vi logo que estava mesmo mal e, então, encostei um pouco mais à frente. Mesmo assim fiquei contente porque estavam continuamente quenianos a passar por mim, afinal tinha feito um treino bom; e apesar de querer mais, não estava minimamente consciente da dificuldade que era! Fui a andar um bom bocado, até que fiquei completamente sozinho - tinha uma vaga noção de onde estava, mas ao mesmo tempo perdido, consegui ver uma "torre antena" e sabia que ficava no centro de Iten. Orientei-me também pelo monte do parque das girafas e fui tranquilamente ter ao HATC (high altitude training center). Da parte da tarde estava completamente de rastos, então optei por descansar. Sentia dores no corpo todo, muita sonolência, estava completamente esgotado!
Quarta-feira, ainda bastante cansado devido ao dia anterior mas com a motivação de serem os últimos dias de treino, lá fomos nós para mais um treino - íamos sensivelmente a meio quando passamos por um grupo enorme de quenianos. Pensámos logo no dia anterior: seriam os mesmos atletas? É provável, mas o grupo era metade do do dia anterior (ou nem tanto), mesmo assim era enorme! Os meus colegas, cansados, decidiram parar um pouco mais cedo, pois estavam a sentir na pele o treino do dia anterior, e eu por não o ter concluído (não quer dizer que não estivesse cansado), pensei em fazer mais um pouco de tempo. 
À tarde, a nossa comitiva ficou ainda mais reduzida. Mais uma grande parte dos ingleses voltaram para as suas terras, sobrando eu, o Charlie Grice e o Robbie. Eles vão ficar mais uma semana. E, claro, o mexicano e o americano que vão ficar até fevereiro! Despedidas e mais despedidas e lá foram eles. Nós fomos preparar-nos para mais um treino, tranquilo, a ritmo confortável, num percurso junto à pista de terra batida - nada de especial, tirando a parte em que vimos dois homens à luta, um deles com um pau com pelo menos 1 metro de comprimento. Nós reagimos todos de igual maneira, acelerando o ritmo sem nos pronunciarmos sobre o assunto. Só uns metros à frente falámos sobre o que vimos!
Na quinta-feira era o dia de descanso do Charlie e do Robbie, mas como eu me ia embora no dia seguinte, tinha de treinar! O Charlie combinou com o mexicano irem até à cidade de Eldoret, ter um dia diferente e aproveitar para fazer umas compras, mas eu resolvi ficar pelo centro e passar a manhã no ginásio. Comecei por fazer bicicleta e depois alguns exercícios e alongamentos. Aproveitei o dia bom para passar algum tempo na piscina e "trabalhar" para o bronze - de Portugal diziam-me que o tempo estava a arrefecer e já não estava tão bom como há um mês atrás, altura em que eu cheguei ao Quénia e estava mais frio aqui do que em Portugal! Agora as coisas estavam a mudar - daqui a nada é Verão no Quénia e já se nota os dias a melhorar (já não chove tanto), o que por um lado é mau, pois quando íamos treinar e passava algum carro por nós, levantava uma imensa poeira no ar - às vezes até conseguíamos sentir areia nos dentes, porque não conseguíamos respirar pelo nariz!
Da parte da tarde aproveitei para comprar umas lembranças no Olympics Corner, onde tinha já comprado a minha pulseira personalizada. Esta "barraca" ficava logo à saída do centro, junto à "Main Road", onde está aquele pórtico a dar as boas-vindas a quem chega: "WELCOME TO ITEN HOME OF CHAMPIONS" (assim está escrito). Aqui, aproveitei para gravar um vídeo a desejar Bom Natal a todos!

Nisto, umas crianças começaram a meter-se comigo, sempre com o "how are you?" sem saber responder quando lhes pergunto o mesmo - ultimamente aprendi algumas palavras como "jambo" que significa "olá", "habari?" quando queres perguntar se está tudo bem e "misouri" que quer dizer "estou bem". Ou seja, quando eles perguntavam como estava, eu já respondia "misouri". Estava eu a voltar para o centro quando uma das crianças passa por mim a correr e faz a roda mesmo à minha frente. Achei engraçado e lembrei-me que tinha um pacote de bolachas Maria de reserva para quando tivesse fome, mas como já era o último dia decidi partilhar com eles. Disse-lhes para esperarem por mim enquanto eu ia ao quarto. Voltei e trouxe o pacote dentro do bolso da minha "sweat" e, antes de o partilhar, perguntei se sabiam o significado de dividir. 
Eles não estavam a perceber e, por gestos e com calma lá entenderam. Queria oferecer de maneira a que partilhassem de igual forma, então abri o pacote e dei a um deles, a primeira coisa que ele fez foi distribuir pelos amigos e tirou para ele no final. Pensei para mim mesmo: "uau, se calhar nem precisava de ter explicado o que significava dividir e partilhar de igual forma". Pedi-lhes para tirar uma foto para ficar com o registo e cada vez que olho para a foto consigo presenciar a felicidade deles naquele momento! 


Antes de me ir embora, um deles virou-se para mim e disse: "see, see". Um dos seus colegas juntou as mãos, ele descalço mandou uma corrida em direcção ao amigo e, com o apoio, fez um mortal para trás! Eu não hesitei: "do it again" - provavelmente ele não percebia o que disse mas como reparou que estava com ar admirado e mostrei o telemóvel para filmar percebeu logo. Então repetiu a proeza e eu fiquei com a gravação destes artistas!


Na sexta-feira fomos até à pista, para o Charlie fazer o treino de séries (eu não fiz porque já ia ter uma longa viagem pela frente, que me ia deixar de rastos) - e como o treinador dele já estava por Inglaterra, pediu ajuda a um treinador turco (Dennis), que já conhecíamos, para controlar os tempos dele e do Robbie. Fomos então aquecer até à pista de terra batida, onde eles pararam para fazer alguns exercícios, e eu continuei a minha corrida contínua a ritmo lento. Quando eles começaram o treino, eu fui o "camera man" deles, com a gopro que eles tinham. Filmei e tirei fotos do treino, ficaram brutais! 



No final do treino fomos uma última vez à rocha que tem vista para Rift Valley - fiz questão de lá ir uma última vez, a este sítio magnífico onde podemos apreciar da melhor maneira aquele vale. Ficámos meia hora a apreciar a beleza daquela vista! Tirámos umas últimas fotos e fomos embora... 



Almoçar e jogar um último jogo de ping-pong.
Acabei de arrumar as minhas coisas e ainda tirei uma última foto com os funcionários do HATC e com o Charlie, Robbie e Daniel. 


Na viagem até ao Aeroporto passei por Eldoret, onde consegui ver durante o dia a confusão que era aquela cidade, os carros e motas sem regras de trânsito, as pessoas ocupadas a fazer as suas coisas de um lado para o outro, vi um género de uma feira junto à estrada onde as coisas estavam todas espalhadas pelo chão, mobília à venda na rua junto à estrada principal, até vi uma mota transportar um sofá!


Mais uma longa viagem à minha espera.
A primeira até foi rápida, de Eldoret até Nairobi o voo durava cerca de 40 min e foi praticamente levantar voo, comer um snack que ofereceram e aterrar. Já em Nairobi a conversa era outra, estive 4h a fazer escala, aproveitei para comprar uns postais e ler um livro, seguidamente apanhei o avião que seguia até ao Dubai por mais 5h, deu para ver 2 filmes, jantar e ainda ouvir música. 
Escala no Dubai foi cerca de 3h, quando saí da porta de desembarque tive de apanhar um metro para ir para a outra porta de embarque, consegui conectar-me à internet por uma hora e falar algum tempo com a Silvana e informá-la por onde andava. Só faltava mais um avião e, desta vez, o mais difícil de todos, com 9h de viagem até Lisboa. 
Deu tempo para tudo: dormir, ver filmes, ver documentários, ler... o pior foi quando começou a doer-me o joelho por estar sentado há demasiado tempo. Não arranjava posição confortável, mas lá cheguei a Lisboa. Estavam à minha espera o meu sobrinho, o meu irmão e, claro, a Silvana! Dali fui direitinho a casa, os meus pais estavam desejosos de me ver e, assim que cheguei e os cumprimentei, reparei nas lágrimas que estavam prestes a saltar do rosto dos meus velhotes - afinal tinha estado um mês em África, uma viagem arriscada mas que felizmente correu bem. Estava finalmente em casa! Tive os tios do lado da minha mãe presentes para um almoço com polvo grelhado - que saudades que eu já tinha! E depois de matar as saudades de casa e de estar com a família, nada melhor que ir até à praia, ver o pôr do sol...

Assim termina esta aventura, da qual me recordarei para o resto da minha vida! 
Venho com uma nova mentalidade, com outra atitude, vivi experiências que recomendo a todas as pessoas, pois nos dão uma grande lição. Vemos as pessoas felizes com o pouco que têm, crianças radiantes por nós estarmos ali, um povo sempre simpático e acolhedor, felizes à sua maneira!
Aos meus colegas atletas, aquilo é outro mundo, é um mundo super competitivo e um espírito brutal para treinar. Qualquer atleta de meio-fundo deve obrigatoriamente fazer um estágio naquela vila!

Assim me despeço pela última vez:
Um abraço directamente da Atalaia - Lourinhã